*O que é realmente ser jovem?*
A substância não se sujeita às condições da forma. Este é um princípio facilmente aplicável a muitas realidades. Uma dessas realidades, tão evidente quanto a vida, é de que o corpo jovem progressivamente perde a juventude, tornando-se velho. O corpo é a forma, não a substância; sendo unicamente o corpo que sucumbe à inevitabilidade do tempo cronológico, que envelhece, degrada, debilita, fazendo pulsar o corpo sob o ritmo da sua própria fatalidade. A substância, a interioridade humana — o núcleo central: o Ser, a dimensão da alma —, porém, vive sujeita a uma outra dinâmica, a uma outra vitalidade, não se oprimindo na língua determinista e restritiva do tempo.
Antes de avançar, devo sublinhar que, neste texto, considero a inevitabilidade do tempo, aquela que envelhece, embora creia que a inevitabilidade do relógio do corpo, com tudo o que pode comportar, pode ser interrompida. Agora, contudo, não cabe essa reflexão. Tomo o que a imensa maioria de nós ainda tem como certo: a passagem do tempo numa vida está íntima e fatalmente envolvida na progressiva mudança do corpo. Além do mais, para muitos, o hu(a)mor também parece tornar-se amargo, com pouco, ou nenhum, travo de pureza. Convém salientar, porém, que o tempo não é um interveniente, um influenciador, um decisor, no campo da alma; esta vive fora dele e da sua influência.
A idade cronológica, que mede o tempo de uma vida física, nada tem a ver com a idade da alma. O corpo pode ser jovem e a alma velha, ou o inverso. Uma alma pode ser velha — antiga, visto ter atravessado muitas vidas, adquirindo, desta forma, uma vasta sabedoria —, mas o modo como compreende a vida, está na vida, abraça a vida, é vida, pode ser jovem.
Quando a vida corre no sangue e na alma
Ser jovem é algo fresco e vital que respira em todas as direcções pressentindo viagens de descoberta e (re)encontros; é exuberância da vida, em abundância, nas suas infinitas possibilidades.
Viver em estado de juventude é empreender novos começos, com o pulsar da vida nas mãos e no coração; é abrir espaço ao desconhecido; é cultivar o brilho de uma vitalidade interior; é crescer e ser fértil, tal como a flor que não compreende mais do que a sua própria essência e a liberdade que lhe ditou a Natureza; é ter a coragem de empurrar para longe os movimentos contrários — obstáculos, medos, infortúnios — e reconhecer no deserto a paisagem mais frutífera.
A juventude é uma força extraordinária. Porém, olhamos em todas as direcções e facilmente reconhecemos velhos jovens e jovens velhos. Os culpados da velhice parecem ser os obstáculos e as contrariedades que a vida impõe, que sugam pouco a pouco a inocência, a credulidade, o arrojo, a energia, a força, a alegria, a certeza arrogante tão típica da juventude. Aos poucos, a grande maioria das pessoas deixa de atender à voz da sua juventude interna; não porque ela própria se tenha silenciado a ponto de se tornar inaudível, e, por isso, incapaz de mover uma força, mas exactamente porque o velho jovem e o jovem velho tomaram a escolha de a silenciar. A vida que carregava uma culpa, já não carrega coisa nenhuma senão a inevitabilidade do que tem que ser aceite, compreendido e vivido.
Olhamos em todas as direcções e facilmente reconhecemos pessoas perdidas, permitindo-se serem empurradas pela enxurrada da vida, sujeitando-se ao peso, à necessidade imposta, à urgência da acção e da escolha em todos os aspectos da vida pessoal, familiar, relacional, profissional.
A mente e as emoções foram-se afundando na lama do «ter de ser», «ter de fazer», do «ter» ao invés do «Ser», e a vida equilibrada e sadia que lá ocorria desequilibrou-se e sucumbiu, para lá só restar confusão, medo, preocupação, raiva, tristeza, adversidade…
Uma crise que entorpece o coração
É muito comum acontecer que após os 40 anos de vida o indivíduo comece a tentar emergir da lama, a querer sentir a vida para lá da inevitabilidade imposta para finalmente fazer audível o que outrora silenciou — a este estado comummente designa-se de «crise da meia-idade».
É certo que a rotina trouxera uma certa dimensão de conforto e segurança, mas adormeceu o indivíduo ao afastá-lo de si mesmo, do seu centro. A mente tornara-se automática e o coração entorpecido, porém, a dada altura, uma urgência de mudança nasceu.
Se este estado de urgência é comum, também o são as muitas formas em que se manifesta; porém, nem em todas elas a voz consegue fazer-se ouvir claramente, e o que o indivíduo percebe é uma distorção do que foi dito. Assim, ele persegue uma liberdade que lhe parece responder à voz da sua juventude: compra um carro excepcional, sente-se arrojado, frequenta ginásios e clínicas de estética, sente-se rejuvenescido, faz viagens a locais paradisíacos, exóticos e extravagantes, sente-se livre, precipita novos relacionamentos, sente-se válido.
Todas estas opções nada têm de errado. Sublinho que não é a forma que aqui é considerada, mas a substância do pensamento, do sentimento, da emoção que conduziram à forma, às escolhas tomadas. O que há de errado é ansiosamente buscarmos as entusiasmantes sugestões do mundo exterior como a via única para podermos criar e confirmar uma nova identidade, um novo ser. Buscamos estímulos externos, recriamos experiências para recordar e trazer ao de cima a voz da juventude. Mas o que é criado é apenas uma manobra de diversão que nos desvia dos sentimentos reais, como o medo, a raiva, a tristeza, a culpa, a insegurança. Desta maneira, estamos a dar espaço ao velho em nós.
A voz da juventude sussurra doce
É certo que a juventude em nós, como escrevi anteriormente, empreende novos começos, empurrando para longe todas as contrariedades. Porém, ela também tem a sabedoria de reconhecer a verdade do que é sentido e experienciado; ela sabe dar voz aos sentimentos esmagados para que sejam trazidos à superfície e libertados; sabe como nos colocar numa relação honesta connosco mesmos; sabe direccionar o nosso límpido olhar sobre quem verdadeiramente somos.
A voz da juventude, os valores e os sonhos pelos quais se move, nunca grita aos ouvidos, não empurra o indivíduo para um estado de ânsia e angústia. Ela sussurra, aguardando que reconheçamos a nossa grandeza, que ajustemos amorosamente a nossa percepção sobre nós mesmos, que nos permitamos colocar no alinhamento adequado, que saibamos ouvir a voz interna, aquela que não está sujeita aos infortúnios do tempo. Se assim acontecer, estaremos a viver a juventude mais vigorosa e determinada.